Entrevista com Cláudio Seto



 - Você nasceu mesmo no Japão ou aqui? Porque o “Cláudio”?
Seto - Nasci no Brasil, na cidade de Guaiçara-SP, e morei entre a infância e adolescência no Japão, durante 7, quase 8 anos, por isso, é comum as pessoas (até meus parentes) pensarem que nasci no Japão. Fui batizado de Cláudio para poder receber o diploma, quando me formei no curso primário. Na época, na escola rural de Jundiaí, no bairro do Engordadouro, não entregavam diploma para pagãos, então, meus irmãos, eu, e mais meia dúzia de nisseis que estudavam lá, fomos devidamente catequizados como faziam com índios na época colonial. Cláudio é o nome do meu irmão gêmeo que na época estava morando no Japão. Contam que no tempo do batismo, existia um jogador de futebol do São Paulo F.C. com esse nome. Portanto Cláudio é um nome cristão e inspirado em um nome de jogador que até hoje não sei quem foi. Então eu, legalmente registrado Chuji Seto Takeguma, sou na verdade um falso Cláudio Seto. Já o verdadeiro e registrado Cláudio Seto é o meu irmão gêmeo Cláudio Seto, que tem o apelido de Chu ou Andy. A única diferença é que apesar de termos nascidos juntos, ele é registrado com nacionalidade japonesa e eu brasileira. Pensávamos que éramos o único caso existente de nome trocado entre irmãos, mas recentemente fiquei sabendo que a atriz Suzana Vieira tem a história semelhante a nossa. Suzana é o nome da irmã dela, que é desconhecida do grande público.
A nossa é uma longa história que se contada em detalhes daria um livro. Mas falando resumidamente, toda essa confusão foi armada pela minha avó materna. Ela era uma pessoa do Período Meiji (1868 a 1912), nascida no século XIX no Japão. O pensamento das pessoas dessa e das épocas anteriores naquele País, a respeito de gêmeos, era o pior possível. Para eles, os seres humanos tinham um filho de cada vez. Ter dois ou mais filhos num mesmo parto, era coisa de bicho, de animal. Podia até acontecer na classe baixíssima dos etá (párias), mas nunca de um samurai ou descendente. Alias, essa era a condição divina e privilegiada do ser humano: nascer um de cada vez. Tanto que no folclore ou literatura japonesa não existe nenhum caso de gêmeos, se nascesse, matavam um e enterravam para ninguém ficar sabendo.

- Mesmo no Brasil sua avó não aceitava gêmeos?
Seto -Quando minha mãe teve gêmeos, minha avó ficou apavorada. Para ela, era a coisa mais vergonhosa do mundo. Um castigo Divino. Então tratou de esconder o fato e só mostrava um quando as pessoas vinham visitar minha mãe no pós-parto. Igualmente no cartório de Guaiçara só me registraram. Meu irmão seria registrado mais tarde no Japão, para que ninguém ficasse sabendo que éramos gêmeos. Por isso meu sobrenome é Takeguma (por parte do pai) e o de meu irmão Seto (por parte da mãe). Assim, no segundo ano de vida meu irmão foi levado ao Japão e ficou morando com a irmã da minha avó. Atualmente ele mora na China e no Japão, é desenhista e representante comercial, por isso vive viajando.

- Quando vocês encontraram novamente?
Seto- Sete anos depois. Quando completei nove anos, fui para o Japão e meu irmão veio para o Brasil. Ficamos juntos quase um mês na casa da irmã da minha avó em Osaka. E durante toda nossa vida trocamos de lugar por várias vezes, inclusive no tempo da Edrel e da Grafipar. Como somos gêmeos idênticos pouca gente percebeu a troca, as únicas pessoas que ficavam desconfiadas foram o Minami Keizi e o Faruk El Katib, ambos editores, que costumavam comentar “o que você fez ? Tá diferente...meio desligado”, pensavam que eu tinha raspado a barba ou cortado o cabelo e ficava por isso. Sempre achei por isso que os editores têm percepção mais aguçada que outras pessoas. Como meu irmão também desenha nunca houve problemas. Mas o estilo é um pouco diferente, só perceptível para um estudioso mais atento. Isso de certa forma lembra hoje, o caso dos irmãos Caruzo, Paulo e Chico, ambos chargistas com desenhos parecidos.

- Chegaram a fazer histórias em parceria?
Seto – Algumas. Ele esboçava e eu fazia artefinal. Como no Japão as histórias tem a leitura ao contrário, e ele estava acostumado assim, eu virava a folha e finalizava nas costas. Muitos artistas que viram nossos originais, não entendiam porque estava desenhado à lápis de um lado e a nanquin do outro. Eu dizia que era porque tinha preguiça de apagar o esboço depois de finalizado a tinta.

- Alguma vez o pessoal dos quadrinhos chegou ver vocês juntos?
Seto- Sim, o Paulo Frank (Paulo Ohori), Sergius (Sergio Ohori), Waldemarx, Kinue Kawaguti, Kazuko (Zaizen), Elisa Kameyama, Wilson, Carlos Miyaji que trabalharam no meu estudio na fase Edrel conheciam ele. No tempo da Grafipar, quase o Franco de Rosa nos surpreendeu juntos. Certa ele entrou no meu estúdio quando eu estava desenhando com meu irmão. Ele fazia esboço de um lado da página e eu artefinalizava virando o papel. Isso porque ele estava acostumado com o quandrinho japones cuja leitura é “de trás para frente”. Franco insistiu em saber qual o segredo de desenhar a lapis e um lado e passar a tinta do outro. Eu não soube explicar e quase apresentei meu irmão, que estava sala do lado, para ele. Mas lembrei da promessa que fiz para minha avó e não apresentei ao Franco.

- Que promessa é essa?
Seto – De que eu só tornaria público a existência de meu irmão gêmeo quando completasse um ETO. Um ciclo de vida, ou seja 60 anos, que significa 12 animas signos vezes os 5 elementos da natureza.

- Falando em signos, você do signo de Macaco no horóscopo Zenchi (também chamado horóscopo japonês), não é?
Seto – Sou nativo de Hinoe Sarudoshi, ou seja, Ano do Macaco da Madeira-yang.

- Nossa! O mesmo que Abe no Seimei, Mussashi e Basho!
Seto – E mais, Chico Buarque e Paulo Leminski.

- Anualmente ha 10 anos você escreve o livro Almanaque Garça da Sorte, com tiragem de 30 mil exemplares. É um grande sucesso sem dúvida nenhuma, o conhecimento vem da escola do famoso místico da antiguidade Abe no Seimei. Qual sua ligação com a seita secreta Zenchi e qual sua profissão atual?
Seto: Sou onmyoji (mestre do Yin e Yang) da seita Zenchi e representante oficial da seita Zenchi Onmyodô, na América do Sul. Meu trabalho consiste em fazer previsões, palestras, orações e magias. Para sobreviver sou artista plástico, pinto quadros de grandes dimensões, escrevo sobre cultura japonesa para o jornal “Nippo-Brasil” de São Paulo. Diariamente trabalho no jornal “O Estado do Paraná” e também no jornal “Tribuna”, edito o “Planeta Zen” e o Bunkyo Shimbun (jornal da colônia japonesa de Curitiba). Faço pesquisa sobre imigração japonesa no Paraná e está em fase de pesquisa o segundo volume do livro Ayumi de 550 páginas. Também sou agitador cultural da colônia japonesa de Curitiba, na coordenação junto com a designer Suemi Hamasaki, promovendo eventos para público de 50 a 130 mil pessoas como o Imin Matsuri de Curitiba (O Festival do Imigrante Japonês) em junho; o Haru Matsuri de Curitiba (A Festa da Primavera) em setembro e o Hana Matsuri (O Natal Budista do Paraná) em abril. Também estamos envolvidos em eventos mensais menores no Bunka Center Praça do Japão.

–Fiquei sabendo que seu apelido é “Matsuri no Sensei” , ou seja o “Mestre dos Festivais” e que você é o idealizador dos primeiros festivais japoneses no Brasil e também é o pioneiro dos festivais de mangá.
Seto – Eu sempre fui fascinado pelos matsuris, principalmente no início da adolescência, no Japão. A idéia de que uma Divindade baixava durante o festival era uma coisa que me atraía demais. Então todos os matsuris de Curitiba em que estou metido, sempre faço questão de evocar uma Deus ou uma Deusa, aliás, mais Deusa do que Deus. Se somos os pioneiros dos matsuri no Brasil não tenho certeza, mas estamos ha 15 anos realizando os matsuri em Curitiba. Algumas cidades tem festas mais antigas, mas eram exposições agrícolas e culturais que foram sendo adaptados ao longo dos anos e está atualmente muito parecido com os que realizamos em Curitiba.
Quanto aos festivais de mangá, a referência é sobre o Festival do Gibi (Mangá Matsuri) que promovi em 1983 no Solar do Barão, através da Gibiteca de Curitiba. Realizamos uma grandiosa exposição de quadrinhos nacionais e outra de mangá. Além de palestras, performances, projeção de anime. O Franco de Rosa que estava morando em São Paulo me deu uma grande ajuda. Nessa época a Abrademi – Associação Brasileira de desenhistas de Mangá e Ilustrações dava seus primeiros passos, e contamos com a participação de seus associados. Certamente é por isso que os fãs do manga referem a nós como pioneiro dos festivais de mangá, mas foi tudo por acaso.

- E seus bonsais que vejo sempre em exposições e cursos?
Seto - Faço estudos florestais de árvores nativas e desenvolvo técnicas para fazer bonsai com árvores brasileiras. Também tenho trabalhado na reprodução de mudas de cerejeira ornamental, sakura, principalmente espécies ainda não adaptadas no Brasil. Curitiba é a capital brasileira de melhor clima para cultivo do sakura. As outras capitais são quentes demais e só florescem a espécie hikanzakura, literalmente “sakura do sol”, porém chamado no Brasil de “Okinawa Sakura”. No Japão não é costume fazer bonsai de sakura, mas aqui em Curitiba tenho cultivado para bonsai com resultado satisfatório as espécies Tsubaki Kanzakura (algumas pessoas chamam de Yukiwarizakura) que floresce em agosto e a espécie dobrada Kiku Shidarezakura, que floresce em outubro. Diariamente cuido de bonsai, tenho no momento 1158 e, é a arte que mais gosto. Meu avo, Noriyasu Seto, foi, se não o primeiro, um dos primeiros bonsaista do Brasil, tenho uma foto dele de 1908, tendo perto um bonsai de limoeiro.

 – Já li sobre como você despertou interesse por quadrinhos, mas acho que vale a pena repetir aqui,
Seto - A essência dos quadrinhos é a interação texto-imagem. Me marcou muito um haiku (ou haicai se preferir) que meu avô desenhou quando eu tinha seis anos. Meu avô era um budista fervoroso e rezava dia e noite, durante horas. Certa ocasião, quando ele estava rezando no santuário que exista na fábrica de sake dele, meus irmãos mais velhos (Yoshimitsu e Kuniomi) e eu, resolvemos jogar bola no quarto do nosso avô. No primeiro chute a bola de capotão (como era chamado), estourou o espelho enorme que existia na porta do guarda-roupas. Nessa época todos os guarda-roupas tinham um espelho enorme na porta. Daí, fugimos, e fomos dormir. Na manhã seguinte, quando o velho Seto foi nos buscar no quarto, pensamos que íamos levar um castigo daqueles. Ele já tinha recolhido os cacos do espelho e na porta do guarda roupas só havia uma madeira branca que ficava atrás do espelho.
O velho Seto nos fez sentar em posição seiza (lótus japonesa) diante do guarda roupa e como castigo tivemos que ficar vendo ele pintar um haigá (haikai com desenho)na madeira onde antes existia espelho. Em tradução rápida o haikai dizia:

Espelho quebrado

Vaidade em cacos

Surge o monte Fuji

O velho Seto desenhou o monte Fuji no fundo, que é uma montanha sagrada do Japão, um rio e um salgueiro. Os galhos do salgueiro pendentes tinham pequenas folhas que iam caindo e dava continuidade transformando em ideogramas que eram os texto do haikai. Essa interação texto-desenho-significado me impressionou muito e durante muitos anos de minha vida, ficou na minha cabeça que arte é interação desses três elementos: texto, desenho, significado. Achei um barato ao descobrir nossa vaidade, pode estar ocultando o que há de sagrado em nós seres humanos. Creio que aí está a origem de meu interesse pelos quadrinhos durante uma certa época da minha vida

– Foi aí que você decidiu que seria um mangajin?
Seto -Não. Creio que foi apenas uma semente plantada no meu cérebro, que viria brotar muitos e muitos anos depois. Na época nem tinha consciência disso.

 -Pode citar autores e obras que o influenciaram?
Seto -No tempo que morava no Japão gostava demais de Tezuka Osamu, inclusive em alguns finais de semana íamos (o monge e os aprendizes) visitar o estúdio dele, e ganhávamos revistas do mestre. Era um sobradinho e no andar de cima do estúdio tinha um dormitório com beliches, onde moravam vários jovens que vinham de toda parte do Japão, para aprender desenho com ele. Porém os dois seguidores da escola de Tezuka que mais me influenciaram foram Mizuno Hideko e Shirato Sanpei. O mestre Sanpei era muito atencioso, me deu vários livros de manga, inclusive quando eu tinha voltado ao Brasil ele -me enviou os novos mangas que estava publicando. Em retribuição enviei a ele várias revistas de quadrinhos que foram publicados no Brasil, principalmente da Editora Outubro e La Selva. Como eu tinha enviado uma carta dizendo do pacote que eu estava enviando, inclusive que tinha trabalhos de nipo-brasileirosd como Julio Shjimamoto, Paulo Hamasaki, Shiozo Tokutake, criou certa expectativa, e quando o mestre recebeu ficou muito decepcionado. Depois ele me escreveu dizendo que “esperava ver desenhos diferentes, próprios de brasileiros, mas é igualzinho dos americanos”. Quando ele montou a Akame Productions, me convidou para ir trabalhar com ele, não fui, naquela época era muito caro ficar indo e vindo ao Japão. Meu irmão trabalhou um tempo como aprendiz no estúdio dele. Mizuno Hideko é uma das pioneiras do Shojo Mangá. Seu desenhos eram belíssimos e ela uma mulher charmosa. Eu adorava ela e os desenhos delas. Quando eu tinha 14 anos, fui numa exposição de rabiscos na Associação de Manga de Toquio, e ví a Hideko ao vivo. Fiquei apaixonado. Na época estava na moda a rapaziada japonesa se apaixonar e casar com mulheres mais velhas. Por influência da música “Diana” do Paul Anka. Que dizia na versão nipônica “Não importa que a vizinhança diga, que você é mais velha que eu. Digam o que quiser sempre amarei você. Acompanharei você até o fundo do inverno”. Hidako devia ser ums 10 anos mais velha que eu. Nunca fui apresentado a ela nem nunca conversei com ela. Mas fez parte dos sonhos de minha adolescência.

 – Vocês iam aprender mangá no estúdio do Tezuka Osamu?
Seto - Na época em que meu mestre religioso frequentava o estúdio dele eu tinha 11 ou 12 anos, não era um devorador de mangá nem fã afoito do Tezuka-san. Era um leitor de mangá comum como milhão de japonesinhos. Não tinha idéia de que Tezuka-san viria se tornar um deus do Mangá. Nós passávamos no estúdio dele sempre que íamos a Tóquio, porque o monge do mosteiro onde eu era acólito, era amigo de infância de Tezuka-san.

 – Em que ano você morou no Japão? E como foi que você virou acólito?
Seto – Eu gostava de comprar gibi e tinha uma pilha quando garoto. Meu avô tinha uma fábrica de sake em Guaiçara-SP. Nessa fábrica havia salões super limpos, higienizados, com ladrilhos branquinhos e lustrados nas paredes. Era onde preparavam o arroz para fermentar e fazer o sake. Um lugar sagrado onde meu avô chamava de dojo. Essa palavra é usada nas artes marciais como local onde se pratica o caminho das artes da guerra. Na religião como templo onde é praticado o caminho da fé, enfim, era uma área sagrada onde se preparava o koji, a semente da fermentação do sake. Um dia, peguei latinhas de tinta esmalte sintético e desenhei o Tio Patinhas nas paredes branquinhas do laboratório. Meu avô inconformado por ter desenhado o símbolo do capitalismo americano resolveu que eu deveria ir ao Japão para ser reeducado e trouxe meu irmão gêmeo para o Brasil. Na verdade o velho Seto já andava invocado porque eu era o garoto que mais gibi tinha em Guaiçara. Na minha ida para o Japão, na verdade troquei os gibis pelos mangás.

– Se você tinha tantos gibis na infância, vale dizer que seus pais compravam para você. A história é diferente de outros desenhistas nisseis como Paulo Fukue, Fernando Ikoma em que os pais não gostavam que lesse gibis.
Seto –  Nos anos 50 eu tinha uma verdadeira gibiteca em Guaiçara. Eram tantos gibis que a molecada da cidade ia todos os dias lá em casa e ficava lendo gibis. Era uma grande atração porque Guaiçara, como qualquer cidades pequena no Brasil, da época, não tinha banca. Tinha um cara dentro dos trens, que vendia revistas, jornais, pipoca e bebidas para os passageiros. Eu ficava na estação ferroviária e comprava dele. Na verdade tinha poucas opções, então eu comprava tudo que era lançado. Para comprar almanaques de capa dura, como: Almanaque de O Guri ou Almanaque de Globo Juvenil, eu pegava o trem com meu irmão e ia até Bauru na data do lançamento. Na época Guaiçara a Bauru era viagem de dia todo.

 – Então seus pais davam dinheiro para você comprar gibis...
Seto – Não. Na verdade virei um grande colecionador de gibis pelo “cúmulo da cortesia”. Na cultura japonesa existe algo que vista por nós nikkeis, é um exagero em querer fazer cortesia. Não sei se para eles é uma virtude, mas para nós, torna-se até ridículo. Só para ilustrar, lembro que quando eu era pequeno, meu pai e os amigos dele, todos nipônicos, iam beber e jogar conversa fora no Bar Suzuki em Guaiçara. Na hora de pagar, todos queriam pagar. Ficava um empurra-empurra cada qual querendo ele acertar as contas. O dono do bar ficava desconcentrado por não saber de quem receber. No fim todos jogam dinheiro no balcão e iam embora. Ficava para o dono do bar, a incômoda missão de devolver o dinheiro, porque todos queriam pagar. Não existia a cultura de rachar a conta, isso era visto como descortesia. Dito isso,comigo aconteceu o seguinte caso de “cúmulo da cortesia”. Minha avó ia semanalmente comprar ovos na granja do meu tio Tsuzuki Takeguma. E meu tio nunca cobrava os ovos dela por ser parente. Então havia aí um grande impasse. Minha avó não queria ovos de graça. Queria comprar pra não ficar devendo favores. A cidade era pequena demais para ela ir comprar ovos em outras granjas. Porque certamente perguntariam se brigaram. São parentes por que não compra na Granja Takeguma? Diriam. Então minha avó se via obrigado a ir comprar ovos lá. E eu ia junto para carregar os engradados de ovos para minha avó. Então semanalmente ela ia a granja, ficava batendo papo, tomando chá com bolachas e comprava os ovos. Na hora de pagar era um dramalhão. Minha avó deixava o dinheiro na mesa e meu tio ou a tia, queria devolver a todo custo. Ficava aquela coisa de um por dinheiro no bolso do outro. As vezes minha avó deixava o dinheiro debaixo do pires de chá, ou da toalha de mesa e ia embora. Na hora de recolher o chá, meu tio e minha tia descobriam o dinheiro e vinha correndo atrás de nós para devolver. Era o teatro do absurdo no meio da rua. Um corre-corre tentando devolver o dinheiro e a outra foge para não pegar o dinheiro. Dai ficava aquela guerra de cortesia, empurra-empurra do dinheiro. Por fim, meu tio cansado enfiava a grana no meu bolso. Eu também não queria receber, mas com as mãos ocupadas com o engradado de ovos, não conseguia evitar que ele pusesse o dinheiro no meu bolso.
Minha avó queria devolver, mas meu tio dizia que havia recebido o pagamento pelos ovos e agora ele estava dando um presente para o sobrinho. Como devolver um presente é anti-cortesia para os japoneses, eu ficava com o dinheiro dos ovos, todas as semanas. Com esse dinheiro eu comprava os gibis. Esse gesto de cúmulo da cortesia parece algo arraigado na cultura do povo japonês. Fiquei sabendo anos depois, quando no templo onde estava, lí sobre a historia do Imperador Nintoku, quando ainda príncipe. Veja a seguir:
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CONTOS E LENDAS DO JAPÃO

O cúmulo da cortesia
Texto desenhos: Claudio Seto

Nintoku Tenno que reinou entre os anos 313 a 399 foi um dos maiores imperadores da época proto-história do Japão. Conta à tradição que antes dele subir ao trono, houve uma homérica competição de modéstia e cortesia entre ele, príncipe Ohosazaki, e seu meio irmão o Príncipe Herdeiro residia no castelo de Uji. Foram necessários três longos anos, para os príncipes decidirem quem não seria o imperador. Isso porque, apesar do trono estar vazio, cada qual se achava menos apto de tornar o grande mandatário do País que o outro.
Naqueles dias numa aldeia próxima de Naniwa, um pescador apanhou um peixe excepcionalmente grande e revolveu fazer uma cortesia ao imperador. Colocou esse peixe em um cesto e alguns menores em outro, cada cesto numa extremidade de um pau, para balançar o peso. Assim com os cestos equilibrado no ombro e seguido por mais meia dúzia de pescadores, dirigiu-se orgulhoso ao palácio em Naniwa, para fazer sua oferenda.
Na portaria do palácio de Naniwa disseram ao pescador que levasse o peixe ao palácio de Uji, pois ali morava o imperador. Os pescadores percorreram em fila indiana, entre um palácio e outro e foram recebidos com grande cortesia no palácio de Uji.
Quando souberam do que se tratava, o príncipe de Uji, pessoalmente lhes disse:
-Se querem presentear o imperador com esse magnífico peixe, por favor, levem para meu irmão no palácio de Naniwa. Ele é o Imperador.
Os pescadores novamente puseram o pé na estrada e foram para Naniwa. Sabendo que seu irmão recomendara pessoalmente que os peixes fossem entregue a ele, o príncipe Ohosazaki, disse com toda modéstia e cortesia:
-Eu Imperador? Imagine uma coisa desta, sou indigno para tão grande honraria, meu irmão sim, ele é o Imperador. Portanto, por favor, senhores pescadores, levem o peixe para ele com meus votos de grande estima e consideração.
Como o príncipe de Naniwa acrescentou ao peixe seus votos de estima, os pescadores se viram obrigados a levar o presente e o recado ao príncipe de Uji. Assim percorrem mais uma vez, a estrada que cortava vilas e arrozais.
Chegando no palácio de Uji, novamente foram mandados a Naniwa. E assim como bolinha de tênis iam e vinham de palácio a palácio. Enquanto isso os peixes foram apodrecendo e a comitiva de pescadores puxa-sacos, deixava rastro de mau cheiro por onde passavam.
O Nihongi, o segundo livro mais antigo do Japão, conta que essa interminável competição as avessas, estava se eternizando e não chegaria a parte alguma. Então príncipe herdeiro disse antes de cometer suicídio: “Cheguei a conclusão que não é possível mudar a decisão de meu irmão. Enquanto eu estiver vivo ele achará que o trono é meu. Não devo mais causar problemas ao Império”.
É o cúmulo da cortesia. O príncipe herdeiro se mata para dar lugar ao seu irmão.
Quando o príncipe Ohosazaki (futuro imperador Nintoku) recebeu a notícia que seu meio irmão Príncipe Herdeiro morreu, ficou chocado. Foi para o palácio de Uji a cavalo. Diante do defunto bateu seu peito e gritou, gemeu e expressando grande desespero.
Em seguida desatando o nó de seu cabelo e sentando-se sobre o cadáver chamou pelo meio irmão três vezes, sacudindo-o pela gola.
-Meu irmão príncipe! Meu irmão príncipe! Meu irmão príncipe!
De repente o príncipe herdeiro voltou a vida e levantou-se. Então o príncipe Ohosazaki indagou:
-Ah! Que desgraça! Quanta tristeza! Por que fostes embora por sua própria vontade? O que pensará de mim no outro mundo o espírito do Imperador, nosso pai?
-Este é o meu destino. Ninguém poderia me deter. Se eu chegar a morada de meu pai, direi sem nada omitir, que meu irmão mais velho é um sábio. E que muitas vezes tentou me ceder o trono. Respondeu o Príncipe Herdeiro.
-Fico sem palavras diante tanta cortesia.
-Cortesia fizestes Vossa Alteza, vindo de tão longe para me ver. Quero que aceite o símbolo de minha eterna gratidão. Dizendo isso o príncipe herdeiro ofereceu a sua irmã mais nova, nascida da mesma mãe, a princesa Yata.
-Creio que ela não é digna de se tornar sua imperatriz, mas honre-a tendo entre as damas da corte.
Depois o Príncipe Herdeiro voltou a esquife e morreu de novo.

Comentário: Esta lenda envolvendo personagens reais (em todos os sentidos) mostra que antes confucionismo chegar ao Japão, e nortear os rumos do poder de Estado, o cúmulo da cortesia era visto como virtude, a ponto de um defunto de três dias, voltar a vida, só para isentar o imperador Nintoku de sua morte.


 –  Por que foi morar em mosteiro, estava estudando para monge Zen?
Seto – Fui levado em 1954, pelo meu avô para fazer um curso de zen budismo durante  três meses no templo Myoshinji em Kyoto. Meu avô voltou com meu irmão gêmeo e iria me buscar depois do curso. Aconteceu que aqui no Brasil, meu avo e meu pai brigaram e meu pai foi morar em Mogi das Cruzes. Daí ninguém ia me buscar no Japão e acabei ficando 3 anos no templo de Kyoto como acólito. A irmã da minha avó que cuidou do meu irmão estava muito velhinha e o monge achou que era melhor eu ficar morando no templo mesmo.

– Então você ficou morando três anos no Japão e nessa época visitou o estúdio de Tezuka Osamu..
Seto- Morei muito mais. Depois de três anos no templo Myoshinji de Kyoto, fui levado para o templo Ehiko-san, situado na montanha do mesmo nome em Kyushu. Disseram que eu era descendente de En no Gyoja (ou En no Ubasoku) um renomado mago que viveu no Japão entre os anos 640 e 705. Em virtude disso tornei um acólito da seita Shuguendô. O mestre desse templo, Eshiyo Gyoja, foi amigo de infância de Tezuka-san, por isso, sempre que ele ia a capital visitava Tezuka Osamu.

– Qual o fato mais marcante que você lembra do estúdio do “deus do Mangá”,  Tezuka Osamu?
Seto -Na época Tezuka-san tinha mais ou menos 10 aprendizes adolescentes. Entre eles um grandão e gordo que não me lembro o nome, mas que tinha vários apelidos. O pessoal de lá viviam gozando da cara dele. Pelo que o monge nos contou depois, o cara não levava muito jeito para desenhar mangá. Mas era um caipira muito esforçado e boa gente.
No Japão não é como no Brasil que o pessoal manda seus desenhos para a editora. Um mestre não pode ir a editora levar originais nem para receber pagamento. Isso seria uma coisa mercenária que depõe contra a arte. Então o comprador da editora vai ao estúdio do artista buscar os originais.
Naquele dias, tinha um comprador pentelho que vinha a cada três dias no estúdio, ver se os desenhos que Tezuka-san produzia para a editora, estavam prontos. O mestre teria comentado com os aprendizes, o quanto o cara enchia o saco com sua constante presença, e sobre sua irritante voz de taquara rachada.
Na sexta-feira quando esse comprador bateu a porta do estúdio, o garoto Grandão foi atendê-lo. Caladão como sempre não disse nada, mas deu um soco na cara do sujeito e foi batendo até o comprador de originais sair correndo todo ensangüentado. Depois ele fechou a porta e não disse nada a ninguém.
Quando chegamos de trem na madrugada de sábado, o garoto grandão estava na estação de mala e cuia. Conversamos com ele, mas não nos contou o que tinha acontecido. Apenas disse que estava voltando para terra natal e pediu para o monge agradecer o Tezuka-san pelo tempo que morou no estúdio. O mestre Tezuka só ficou sabendo o que aconteceu quando o comprador da editora apareceu com a cara toda enfaixada. Veio reclamar indenização por danos morais e físicos.

- Como você começou a desenhar profissionalmente?
Seto -Meu pai morava em Sorocaba na década de 60. Voltei do Japão para me alistar e fieui morando em Sorocaba, e eu era auxiliar de caminhoneiro. Na folga, pintor de porta de caminhão. Na época todos os caminhões tinham águias ou paisagens pintado nas portas e no para-barro. E frase escrito no para choque. Meu primo era o caminhoneiro e tinha carteirinha de “comprador de tomate da Cica”. Ele comprava dos lavradores todo final de colheita, isto é, depois que os lavradores colhiam os tomates maiores, vendiam para ele as colheitas de pontas (tomates menores). Então enquanto os piões apanhavam os tomates e carregam os caminhões, eu ficava nos postos de beira de estrada na rodovia Raposo Tavares pintando portas enquanto os caminhoneiros almoçavam.
Um belo dia apareceu um cidadão do tipo descobridor de talentos, e arrumou emprego na seção de desenho de tecido e fotolito da Fabrica de Tecidos Votorantin. Influenciado por um amigo chamado Wilson de Campos que era desenhista da Votorantin, e que sonhava fazer quadrinhos e desenhos animados, enviei uns passatempos já diagramados em páginas inteiras para a Indústria Gráfica Bentivegna que foram logo publicadas. Isso em 1966 na revista Garotas e Piadas, N0 6. Anos depois fiquei sabendo pelo Minami Keizi que o Salvador Bentivegna publicava porque eu mandava já fotolitado. Como na época os filmes de fotolito custavam uma nota, ele publicava por questão de economia.

-– Foram as primeiras histórias suas em estilo mangá?
Seto -Não eram histórias, eram páginas de piadas (hoje cartoon ou humor gráfico) e passatempos que eu assinava Chu Sorocaba. Nessa época, ainda não existia a Edrel. O Estúdio Maurício de Souza colocou anúncio na Folha de São Paulo dizendo “Você quer ser desenhista de quadrinhos? Venha fazer um teste no dia tal de tal”. Como entrei de féria na Votorantin, resolvi que iria fazer o tal teste. Saí de Sorocaba de trem, fui para Guaiçara para buscar certificado de reservista e na volta passaria em São Paulo para tentar a sorte no estúdio do Maurício. Aconteceu que um amigo de infância de Guaiçara, que trabalhava na Lojas Arapuã (que estava começando), disse que estavam procurando um desenhista. Fui lá e consegui o emprego. A Arapuá tinha um jornal de ofertas e deram duas páginas semanais para mim. Uma de quadrinhos e outra de passatempos. Foi aí que publiquei meus primeiros mangá. Eram tiras de um personagem chamado Ie-Iezinho, um cabeludo, porque os Beatles estavam na moda com o ritmo Iê-Iê-Iê. Outra tira era de um gato (Gatonildo). E as primeiras páginas de quadrinhos foram do Beto Sonhador, que na época era um bandeirante.
Esse jornal (Jornal do Lar) era enviado para muitas pessoas cadastradas, então pedi para a secretária incluir o nome de todas editoras existentes na época . Não eram muitas, a Abril,  Outubro, Bentivegna, Ebal, La Selva e a nova Pan Juvenil, que depois seria a Edrel. Assim os jornais com meus desenhos começaram a ser enviados para as editoras. Não sei se algum editor chegou a ver.

– Então por pouco você não virou desenhista da Mônica. Já imaginou se você não tivesse aceitado o emprego da Arapuã e fosse fazer o teste do Maurício de Souza, não teria se tornado um pioneiro do mangá no Brasil e nem uma referência em quadrinhos eróticos.
Seto - Acho que eu não ia passar no teste do Maurício. Me contaram que no tal dia havia fila quilométrica no prédio da Folha de São Paulo, e um diretorzinho de arte do Maurício ironizando todos os candidatos. O Fabiano Dias e o Paulo Fukue, que trabalharam anos depois na Edrel estiveram na fila e não passaram. Eu não teria nenhuma chance.

– Os desenhos que você fez para Humor Negro foi no estilo mangá?
Seto - Não. Foi um desastre. O humor negro já existia, estava no número 3 ou 4. Me disseram na reunião que a revista tipo Mad, uma revista americana, ainda não existia Mad em português. Eu nunca tinha visto essa revista. Em Lins e Guaiçara não vendiam revistas estrangeiras. Na volta, passando pela rodoviária, comprei alguns números da revista e um poket book de Jack Davis.  Confesso que adorei a revista, mas fazer desenho naquele estilo foi uma lástima. Até hoje tenho vergonha do resultado, Humor Negro é meu passado obscuro.

 – Você disse que o Minami Keizi foi o primeiro a desenhar o  mangá no Brasil e não você. Porém, pelo que andei pesquisando na internet e nos livros, os estudiosos atribuem à você o pioneirismo nesse tipo de quadrinhos. O Franco de Rosa disse numa matéria que o Minami desenhava no estilo Gasparzinho e não manga. E também parece que não existe revista com os desenhos do Minami para provar isso o pioniismo dele. Como você vê tudo isso?
Seto - Para mim a palavra dele basta. Ele me disse que desenhou no estilo mangá antes de mim. Acredito que sim. Eu fiz o personagem Flavo no estilo manga para a revista Ídolo Juvenil. Um misto de ficção e contos de fadas. Isso porque as revistas Contos de Fadas e Varinha Mágica haviam feito grande sucesso na Editora Outubro anos antes.

– Lí no site (www.brazilcomics.hpg.ig.com.br) que “Flavo de Claudio Seto era mangá puro, com narrativa calcada em Astro Boy, de Osamu Tesuka, com quem se correspondia.”, confere esses dados?
Seto - Está meio misturado. Para desenhar o Flavo eu consultei os desenhos da Mizuno Hideko, sempre gostei mais do desenho dela do que do grande mestre Tezuka-san. Nunca correspondi com Tesuka-san, e sim com Shirato Sampei, em quem espelhei o Ninja – O Samurai Mágico.

– Pena que Flavo não teve continuidade tem páginas que é quase shojo mangá (mangá para meninas).
Seto - Pois é, Mizuno Hideko foi a pioneira do shojo manga, pena que a nova geração de fã do mangá não conheçam o trabalho dela. Qualquer outra oportunidade quero falar dela.

– A partir disso você se dedicou ao estilo mangá de corpo e alma.
Seto - Não foi bem assim. Eu era um desenhista do interior de São Paulo que aparecia cada dois meses na Capital. Então todos me aconselhavam a fazer desenhos no estilo americano. Eu vivia esse drama interno. Jovem, inexperiente e inseguro. Tudo que os mestres diziam eu acreditava. Na época o Jaime Cortez lançou um livro chamado Mestre dos Quadrinhos, promovendo todos os desenhistas da Editora Outubro à nível de mestre. No livro ele escreveu que os originais deveriam ter o dobro da medida que seriam impressas. Daí o original nosso ficou grande para burro. Eu dizia que no Japão é menor, e o pessoal dizia que isso era no Japão, aqui tinha que ter o dobro. Dava um trabalhão daqueles. Até para enviar pelo correio.

– mas como você resolveu esse impasse entre fazer no estilo mangá que você cresceu lendo e o estilo ocidental que ditava o mercado editorial?
Seto - Não resolvi. Fiquei perdido o tempo todo, oscilando entre as parte. Quando saiu o primeiro número de Ninja, nós estávamos perto da Edrel, tomando cafezinho e quando passamos numa banca de rua, alguém (não me lembro se Fabiano ou Minami) perguntou que achou da nova re vista Ninja ao banqueiro. O cara respondeu: -Que revista estranha, Ninja o que é Ninja? Ninguém sabe o que é isso. E esse desenho estanho então... acho que não vai vender nada.

 – Conversando com a Kinue Kawaguti que trabalhou no seu estúdio em Guaiçara, ela me contou que a história da revista Ninja, no desenrolar da aventura viria ao Brasil. Realmente tinha essa intenção.
Seto – É verdade. A história acontecia no Japão de 1600, Guerra de Sekigahara e queda do castelo de Osaka. Mesma época em que viveu Miyamoto Musashi. O personagem principal, um garoto de nome Koji, tinha um mapa do tesouro tatuado em seu corpo. Esse mapa traria a clã Toyotomi para o Brasil e também viria os Tokugawa perseguindo eles. A partir daí, entrariam índios brasileiros e bandeirantes nos episódios seguintes. O Koji que era o menino ninja, tendo seus companheiros massacrados e comido pelos antropófagos, já com a pele queimada pelo sol, passaria por índio tupi, com o nome de Itaipú. Pena que não durou até aí, mas pode se dizer que foi um prenúncio que os manga chegariam ao Brasil. Algumas páginas de Itaipu foram publicadas na Folhinha de São Paulo.

 

 – O Samuai não tinha personagens fixos. Não é?

Seto – Não, eram histórias avulsas. Uma história cada número. O Samurai N0 1 que fiz foi no estilo guekigá, além do desenho e texto horríveis, o tema era incesto, uma revista para adultos. Naqueles anos de repressão e código de ética, decididamente não era uma revista aconselhável a ser lançado. Creio que só saiu porque a Editora precisava um xis número de revistas para capital de giro da empresa. Ironicamente a revista para adultos, gênero de quadrinhos ainda inexistente na época, acabou agradando e Ninja não durou mais que três números. Ha de se considerar que na época ninguém sabia o que era um ninja ou um samurai. O Samurai durou vários números.

-Na Grafipar você chegou a desenhar samurais?
-Redesenhei e ampliei com cenas de sexo a história Máscara de um Samurai que havia publicado na Edrel, para a revista Clássico dos Quadrinhos da Grafipar. Aliás se tiver oportunidade de ver publicado pretendo redesenhar várias histórias de samurai.

 – Quantas edições da revista O Samurai foram publicadas?
Seto - Não me lembro bem mas deve ter saído umas nove. Mas fizemos muitas histórias de samurais. No começo além da revista saia nas páginas de Mini Terror (formatinho) e também houve um Almanaque de O Samurai. Em 1970 o Minami resolveu acabar com todas as revista individuais de 34 páginas e fazer revistas grossas de 140 páginas. Isso porque ele descobriu que o almanaque de encalhes vendia mais que as edições normais. Pelo menos foi o que argumentou. Havia duas linhas de revista: a de humor e a séria. Na linha humor havia as revistas Garotas e Piadas, Mil Piadas, As mais Quentes Piadas da Edrel, Seleção de Piadas, Rir vistinha, Evas Sem Censuras, Paquera e Fotohumor. E os personagens mais constantes eram: Paquera, Zé Experimentadinha, Turma da Cova e Maria Esperançosa do Fernando Ikoma e Maria Erótica, Beto Sonhador, Mata Sete, Zero Zero Pinga, Mandrácula e fotonovelas produzidas no nosso estúdio em Guaiçara.
Na linha “séria” haviam as revistas: Estórias Adultas, Young Comic, Only Men e Revista de Terror. Grande parte das histórias eram avulsas e de gênero bastante variado. Tanto meu estúdio como o do Fukue produzimos várias histórias no estilo mangá. Foi uma época gostosa, prazer nosso era fazer experimentalismo, tanto no gênero como nos desenhos.

-O Minami Keizi saiu da Edrel na metade da existência da editora,  e fundou editora (Minami &Cunha Editores), sabe por que?
-Não sei, parece que brigou com outros sócios (Marcílio Valenciano e Jinki Yamamoto). No lugar dele o Paulo Fukue tornou-se editor da Edrel.

 – No site Japão Online (www.japaoonline.com.br/pt/manga9) tem um artigo elaborado por Adalberto Corrêa Marra Júnior que diz: As histórias em quadrinhos japonesas, o popular mangá, já aportaram por terras brasileiras há muito tempo. No final da década de 60, Claudio Seto, produziu aqui histórias com o estilo de desenho e narrativa igual aos mangás originais. Inclusive, em 1970, na revista Histórias Adultas, foi publicada uma história do Lobo Solitário "copiada", sem os créditos dos autores Kazuo Koike e Goseki Kojma. O que você diz dessa nota?
Seto – Minha filha me falou sobre essa matéria. Acho que o Japão Online devia reescrever esta matéria, pois o texto está mal redigido e induz que eu copiei o Lobo Solitário e tirei os crédito dos autores, o que não é verdade. Esse site perde toda credibilidade ao publicar um texto desse.

– Encontrei no site www.ccqhumor.com.br, um texto do pesquisador Moacy Cirne intitulado “O Quadrinho Erótico” e existe um trecho que ele diz:Na Edrel, muitas experiências foram feitas, ao nível da narrativa (o modo articulatório dos quadros nas páginas), em especial por Claudio Seto. Mas suas preocupações (e pretensões) psicologistas eram prejudiciais ao bom quadrinho, criando uma espécie de subliteratura, pretensamente "séria".
Seto - Ele tem razão em pensar assim. Eu tinha muitas pretensões, principalmente a de me encontrar. Passei muitos anos em mosteiro Zen e minha cabeça não sintonizava com o modo de pensar da maioria das pessoas, que conhecia no Brasil. Fiz muitos desenhos que as pessoas não aceitavam que fossem feitas em histórias em quadrinhos. E muitas histórias que ninguém entendia, pois acabava sem mais nem menos. Vendo agora, começar pelos títulos eram esquisitos: “A Vida Como Um Pingo Dágua Numa Torneira Velha”, “690”, “O Meu Doce Pé de Caqui Amargo”, “Dinheiro Toca no Corpo Mas, Não Compra a Alma”, “Riá, Riá, Riá, É Porre” e “Rastros Viscosos de Um Mundo Psicodélico”, assim por diante. Já o experimentalismo era a coisa que eu mais adorava. Depois que lí o Iching o Livro das Mutações, vivia filosofando que o único sentido da vida estava nas transformações. Então tentava transmitir esse pensamento sem se referir diretamente ou com palavras a esse respeito. Vivia experimentando não só no estilo de desenho, como nos icones “escondidos” que eu colocava nas histórias. Antes de começar a desenhar, eu juntava 6 ou oito páginas em branco e fazia um desenho grande. As vezes cenas de sexo com santos e generais ou logotipo do meu estúdio ou símbolos diversos.. Depois embaralhava essas páginas e desenhava os quadrinhos por cima, de modo que o desenho grande ficava alguns de ponta cabeça e sem ordem nenhuma. Imaginava que um dia, alguém ia juntar as páginas depois de impressa e descobrir o código secreto. Depois escrever para a editora. Mas, nunca aconteceu. Acho que ninguém percebeu que havia um quebra cabeça, por trás de muitas histórias que fiz. O engraçado é que nem eu, nunca tentei montar as partes depois de impressas. Era certamente uma pretensão leviana – coisa de nativo do Ano do Macaco.

– Num texto do Franco de Rosa, intitulado “Como foi que o Mangá surgiu no Brasil”  e reproduzida na internaet ( hqshouse.vilabol.uol.com.br/manga), o autor diz: Bem, você que tem menos de 20 anos, com certeza deve estar respondendo: "com os Cavaleiros do Zodíaco!!!!!". De certa forma, você não respondeu errado. já que foi com eles que a tv brasileira abriu os olhos e começou a trazer animes legais. Foi assim que conhecemos Sailor Moon (ela de novo!!!!!), Shurato, a lendária série Dragon Ball, Samurai Troopers (aqui, com o ofensivo nome de Samurai Warriors! Como se um samurai não fosse Guerreiro....) entre outros... Mas, os mais velhos com certeza se lembram de clássicos como Patrulha Estelar, Kimba, Oitavo Homem... pois bem, o Brasil tem anime desde a década de 60! Mas, é claro que esses animes não tinham o mesmo espaço de uma produção Hanna-Barbera... Isso sem falar nos mangás que foram publcados aqui anos atrás, cujos desenhistas eram Cláudio Seto, Júlio Shimamoto...É gente, o mangá por aqui é mais velho do que a gente pensa!”
Já Alexandre Nagado escreveu na matéria intitulada Mangá Brasileiro, publicada na Nihonsite que: “Desde muito antes da chegada dos mangás originais ao Brasil, diversos autores brasileiros já fizeram histórias influenciados pelo traço e narrativa do mangá. Graças à pioneira Editora Edrel, liderada por Minami Keizi artistas como Cláudio Seto Julio Shimamoto publicaram histórias com temáticas e experiências gráficas e narrativas baseadas nos mangás.”
Na matéria “As 10 histórias em quadrinhos”  publicada na Folha de S. Paulo e reproduzido no site (www1.folha.uol.com.br), o autor Waldomiro Vergueiro, diz: “As últimas duas décadas do século 20 presenciaram a invasão do Ocidente pelos quadrinhos japoneses, os mangás. Produtos de uma indústria forte e com características próprias, eles são publicados em milhões de exemplares em sua terra natal. Vendidos a preços acessíveis, atingem todas as faixas etárias e camadas sociais. No Brasil, devido à grande concentração de imigrantes japoneses, já eram conhecidos bem antes de sua popularidade nos demais países, influenciando autores como Claudio Seto, Paulo Fukue e Júlio Shimamoto”.
-Você não acha que está faltando o nome de Fernando Ikoma nas matérias acima?
Seto -Eu acho que não. O fato de um desenhista ser descendente de japonês não faz do trabalho dele um mangá. Não sei até onde os quadrinhos do meu amigo Ikoma podem ser chamados de mangás. Ele próprio discorda. No tempo da Edrel ele costuma dizer que o seu era um estilo pessoal, que tinha origem no desenho publicitário e nada tinha a ver com o mangá, e que ele praticamente desconhecia quadrinhos japoneses. Tomou contato com o mangá através de algumas revistas que o Minami Keizi deu para ele. Muito esperto, pediu para o pai traduzir e colocou no seu livro “A Técnica das Histórias em Quadrinhos”, publicado pela Editora Edrel na década de 70. Ironicamente ele se tornou a primeira pessoa a escrever sobre o mangá no Brasil. Acho também que o traço do Shimamoto nada tem a ver com mangá.

 – A professora Sonia M.Bibe Luyten em “Mangá ´roduzido no Brasil: Pioneirismo, Experimentação e Produção” que pode ser encontrado no site (www.intercom.org.br/papers/ congresso2003) diz: ...Ikoma, ele próprio desenhista, já introduz aos leitores e desenhistas brasileiros muitos exemplos de mangás japoneses e cita os mestres brasileiros como Rodolfo Zalla, Colonese, Edmundo Rodrigues.  Inclui também a biografia de artistas nipo-brasileiros e seus personagens baseados na cultura japonesa como O Samurai, de Cláudio Seto: “Cláudio Seto da Edrel aprendeu a desenhar travando contato com os maiores nomes dos quadrinhos japoneses após ingressar no mundo profissional foi sofrendo aos poucos a influência do estilo tradicional, daí unindo as duas escolas nasceu o estilo Seto, que podemos chamar também de estilo miscigenado.”
Seto – Estilo Seto é muita bondade. Mas voltando a sua pergunta anterior, o Mestre Shimamoto é o melhor quadrinhista brasileiro de origem japonesa. Também está entre os três melhores do Brasil no panorama geral de todos os tempos. Agora dizer que o estilo dele é mangá, não concordo. Não existe nada parecido com os desenhos do Mestre Shima no Japão. Vejo nele um clássico dentro da tradição ocidental no desenho de quadrinhos. Outra correção a ser feita é que Mestre Shima que eu me lembre nunca colaborou com a Edrel, mas vira e mexe parece que ele é citado como tivesse desenhado para aquela editora.

 – Aliás no site (www.alanmooresenhordocaos.hpg.ig.com.br) existe uma entrevista que Shimamoto deu ao Ademir de Paula, onde o próprio Shima diz que não trabalhou na Edrel. Veja o texto:
(Ademir pergunta) !”Fale sobre Cláudio Seto,o que acha do trabalho dele ser conhecido só por poucos?” 
(Mestre Shima responde) “Como quadrinhista pouco acompanhei sua carreira. já que na época da Edrel eu me dedicava totalmente à publicidade. Só na época da editora Grafipar,conheci seu talento de quadrinhista e editor.Reconheci nele também qualidade de roteirista versátil de bom nível.Ele tinha um temperamento retraído,pouco dado a publicidade,esse deve ser o motivo de sua pouca notoriedade”.
Seto – Continuando, creio que se o Mestre Shima tem algo a ver com o mangá é na narrativa seqüencial, mas acho que é involuntário e mais recente. Pois começou quando ele desenhou, quase 10 anos depois, a revista Kiai, para a Grafipar. Como os golpes marciais exigiam desenhos em seqüências didática para ser melhor entendido, Mestre Shima passou a desenhar assim.
Já Paulo Fukue também seguia a melhor escola dos super heróis americanos. Tanto que no começo da carreira a “turma do Bráz” chamava ele de “Paulinho Ditko”. Seu estúdio chegou fazer algumas histórias no estilo mangá porque alguém da sua equipe gostava de mangá. Ele mesmo sempre foi fiel ao estilo ocidental.
No meu caso também é importante frisar que nem tudo que desenhei foi no estilo mangá. Muitas historias foram desenhadas calcando personagem de fotonovelas italianas que estavam na moda naquela época, e algumas no estilo Mad.

 – Maria Erótica é sua personagem mais conhecida, inclusive a Prefeituras de Curitiba, fez uma homenagem à você, alguns anos atrás, através de uma grande exposição dessa personagem no Solar do Barão da Fundação Cultural de Curitiba, por ocasião do aniversário da Gibiteca, que você foi coordenador durante um tempo.  Na fase Edrel essa personagem chegou a ter revista própria ou foi só na fase Grafipar?
Seto – Eu nunca gostei de histórias com personagens. Gosto de histórias avulsas, como em contos. Personagens todos sabem que nunca morre e no fim das histórias sempre sai bem. Fiz mais histórias da Maria Erótica na fase Edrel que na fase Grafipar. Na Edrel Maria era publicada nas revistas: “Garotas e Piadas”, “Mil Piadas”e “Yong Comics”. Ela chegou a ter revista própria, no formatinho, no fim da Editora. Saiu duas edições e depois a editora faliu.
 – No site Ccqhumor (www.ccqhumor.com.br/artigos-eroticos/hq-quadrinhos) Heitor Pitombo no artigo “Quadrinhos Eróticos Mostram Talento Brasileiro” falando sobre quadrinhos para adultos diz que:“As primeiras tentativas nesse sentido contaram com as editoras Edrel e a Grafipar. A primeira destacou os trabalhos de artistas de descendência nipônica como Cláudio Seto (com sua inesquecível Maria Erótica), Minami Keizi, Fernando Ikoma e Paulo Fukue, que traziam uma influência inegável de Guido Crepax, Hugo Pratt e dos quadrinhos japoneses -- os mangás. A pergunta é a seguinte: sua Maria Erótica tinha influência dos desenhos de Guido Crepax?
Seto – Não. Tomei conhecimento dos desenhos do Crepax na “Grilo”, fiquei fascinado. Adorava os desenhos dele, mas Valentina não servia para modelo de Maria, porque era muito magra e elegante. Maria tinha que ser gostosona, bundinha redonda e seios fartos. Podemos dizer que Maria Erótica está mais para a Paulete do Pichard do que pra Valentina do Crepax. Essa coisa da Maria ser uma “loira burra” e gostosa, também tem muito de Paulete.

– Há alguns anos correu uma fofoca que você foi homenageado como pioneiro do Shibari no Brasil, num clube privê de Curitiba. Procede essa conversa que além de mestre do mangá, você é também mestre na arte de amarrar mulheres?
Seto –  Cerca de quatro ou cinco anos atrás, quando houve aniversário da Gibiteca de Curitiba e deram uma sala especial para Maria Erótica, adoradores da arte japonesa do shibari, me descobriram como morador em Curitiba e fizeram uma festa em minha homenagem. Qual não foi minha surpresa chegando naquele porão e descobrir que além de correntes e engenhoca de tortura, existiam pelas paredes várias ampliações de meus desenhos, muitos da Maira Erótica amarrada, e com datas de quando foram publicadas e com denominação dos estilos das amarras. Dizem que antes de mim ninguém no Brasil desenhou o shibari nas histórias em quadrinhos. Recebi um diploma de “Mestre e Pioneiro do Shibari no Brasil”. 

– Então você é praticante do shibari mesmo?
Seto – Atualmente as únicas coisas que amarro agora são galhos de bonsai para entortar. Antes eu amarrava mulheres, mas só nas histórias em quadrinhos. Na verdade tenho conhecimento da arte do shibari porque eu tinha um livro antigo, que mostrava todos os tipos de nós e amarras, que os samurais aplicavam para imobilizar os prisioneiros de guerra. Então eu aplicava essas técnicas nos quadrinhos eróticos.

– No gibiblog (http://www.gibiblog.blogger.com.br) de Caio Cesar Christiano diz: “ A leitora Bia, por exemplo, me chama a atenção para a falta de mangás por aqui... Bom, creio que está claro que a falta é, na verdade, proposital, já que a proposta do blog é ser totalmente dedicado aos artistas nacionais. Mas resolvi presentear a Bia com algo que talvez seja de seu agrado. Aqui está A GRANDE CHANCE, publicada na revista Miniterror número 4 de 1969, do grande Claudio Seto. 
Nos anos 80, quando RONIN foi publicado, louvou-se, por todos os cantos, Frank Miller por ter incluído, pela primeira vez na história do quadrinho ocidental, características do mangá em seus "comics". No entanto, todos os leitores da editora EDREL, na época já extinta, sabiam que aquilo não era de todo verdadeiro, já que o Brasil também faz parte do Ocidente, e já que aqui, certa vez, houve um Cláudio Seto antecipando em alguns anos toda uma onda de culto à cultura de samurais, artes marciais, e uma explosão de Mestres do Kung-Fu e Bruce Lees que tomaria conta do mundo a partir dos anos 70. Mas talvez seja nosso destino ter entre nós uma infinidade de "precursores não cantados", uma nação cheia de Ângelos Agostinis e Santos Dumonts.
Seto – Achei legal as palavras e a atitude do Caio Cesar Christiano, e foi um prazer rever a história A Grande Chance, eu nem me lembrava mais de ter desenhado essa história, imagine, foi a 38 anos atrás.

– Seto você lembra exatamente quando a Edrel deixou de existir?
Seto - Não sei exatamente quando foi, mas encontrei recentemente um bloco de nota fiscal do meu estúdio (Seto Produções Artísticas) da época e a ultima nota foi tirada em dezembro de 1973. Pela nota dá para ver que a página de quadrinhos custava 70 cruzeiros e a página de piadas 30,00 cruzeiros.

– Quanto ganhava um quadrinhista da Edrel?
Seto – Não faço idéia quanto seria se fosse hoje, mas a título de curiosidade, pelo bloco de notas dá para ver que já existia inflação: No dia 22 de março de 1972, uma página de quadrinhos custava 40,00 cruzeiros. Produzimos neste mês: 16 páginas da personagem Psikuy (Julgamento), 17 páginas da personagem Ninfeta Fantástica, 19 páginas de Samurai (Vingança Frustada) e 8 página de uma história chamada Falso Mundo. Já em dezembro deste mesmo ano, a página custava 60,00 cruzeiros, e nosso estúdio produziu 88 páginas, sendo: 16 paginas de “Sonhos Vão”, 16 páginas de “Rastos Viscosos” (histórias psicodélicas), 9 páginas de “Iniciação”, 22 páginas da personagem Psykui, 17 páginas de “Tristeza não tem fim” e 8 páginas de “Fotohumor”. Em julho de 73 pagavam 70,00 por página.

– No site Teor Letal (www.teorletal.hpg.ig.com.br/Pages/edit0903) um editorial diz: “ No final de seu artigo Anos de Terror, Paulo Rensie sugere abordar a seguir o renascer dos quadrinhos nos anos oitenta. Só que antes será preciso corrigir uma injustiça e reconhecer a importância que teve a Editora Edrel. O processo de levantar informações sobre esse período tão inexplicavelmente ignorado é penoso, mas certamente valerá a pena. Se você pensa que Mangá no Brasil é uma novidade, veja ao lado o que Seto, Ikoma, Fukue e Cia. estavam publicando em 1969! Se a Outubro foi a "Vera Cruz" dos quadrinhos (como Paulo escreveu), a Edrel com suas revistas de humor e erotismo teria sido a "Atlântida”.
Seto - Acho que pouco foi escrito sobre a Edrel porque na época sexo era tabu e quadrinho sub-cultura. Felizmente quase todos que participam da Editora Edrel ainda estão vivos e muitas lembranças poderão vir a luz. Esta entrevista por exemplo, onde quer que seja publicada, creio que será boa contribuição para a memória de uma das etapas do quadrinho nacional., embora a abordagem seja sobre o mangá especificamente.

- Conferindo os arquivos do jornal O Estado do Paraná, descobri que existe farto material e você foi o primeiro a desenhar e publicar Shojo Mangá no Brasil. Lembra dessa fase?
Seto- Lembro publiquei duas histórias nesse estilo: “Lágrimas do Céu” e “Cinderela do Paraná” no Estadinho, além de várias ilustrações e passatempos também nesse estilo. Ainda tenho alguns originais da época.

-Quando eu era estudante e preparava um trabalho sobre os quadrinhos da Grafipar, para a Universidade, tentei falar com o Faruk El Khatib, mas ele estava morando em São Paulo e trabalhando num projeto quadrinhos do Pelé com você. Nessa época encontrei com o Rogério Dias, na galeria Acaiaca, junto a Feira de Artesanato. Ele me contou que alguns editores da Grafipar tentaram montar uma cooperativa, a exemplo do King Facture Sindicate, distribuidora de quadrinhos, e você não topou o esquema estragando tudo. Já o Franco de Rosa cita num texto se não me engano em “Bons tempo da Grafipar” que o esse mesmo pessoal montou uma espécie de cooperativa, ou sindicato de quadrinhos, no início dos quadrinhos da Grafipar. E convidou você. Como é essa história afinal?
Seto – O Rogério está certo. Não foi no início dos quadrinhos da Grafipar. Eros, Neuros, Proton e Perícia já estavam nas bancas. Então os editores destas revistas resolveram montar uma distribuidora de quadrinhos intermediar a venda das páginas para a Grafipar. Ou seja, ao invés dos artistas mandarem seus originais direto para editora, mandava para a distribuidora e este revenderia a dobro do preço para a Grafipar. Eu não topei por dois motivos: sabia que assim a curto prazo inviabilizaria as revista pelo custo e não permitiria a sobrevivência dos  artistas . Pois teriam que vender abaixo do preço dos enlatados que eram distribuídos pela Apla e pela King facture. O segundo é que eu era quadrinhista e não publicitário como os outros, e seria falta de ética ganhar dinheiro em cima do trabalho de outros quadrinhistas. Uma vez que eles queriam trabalhar só com artistas “renomados” (Shima, Colin, Walmir, Saindemberg, Ikoma e Seto). Se a idéia desses publicitários tivesse vingado, hoje creio que não existiria grandes nomes da HQB como Mozart Couto, Seabra, Rodval, Franco, Kussumoto, Ataíde, Gustavo, Itamar, Bonini, Zenival e tantos outros que foram projetados pela Grafipar. Minha idéia era fazer uma editora-cooperativa (Bico de Pena) só de quadrinhos brasileiros, dar oportunidade para os novos artistas e depois quando começasse a dar resultados, fazer participação de lucro com os artistas.

-Mas por que eles não montaram essa distribuidora deixando você de fora? E o Faruk o que achou disso?
Seto- Porque eu quem tinha contato com os artistas veteranos. Inclusive o Shimamoto em sua visita a Grafipar deixou claro, que como já havia levado muitos canos na hora de receber das editoras do Rio e São Paulo, e ia colaborar porque confiava em mim, o único que conhecia de Curitiba. Sobre a intenção de montar a distribuidora acho que Faruk nunca ficou sabendo. A não ser que o Rogério contou para ele.


-Por que Flávio Colin não foi morar na vila dos quadrinhistas?

-Ele veio de mudança a Curitiba já no fim da Grafipar. Acho que entendeu errado a carta que mandei aos colaboradores. Eu havia dito que como o mercado estava de mal a pior, não era mais possível consumir todas as páginas produzido pelos artistas e que ficaria apenas com os artistas que estavam morando em Curitiba (sentimos responsáveis pela presença deles aqui), já que havíamos reduzido drasticamente o número de publicações. E mesmo assim, o pessoal da “vila” estava fazendo bico em agencias de publicidade. Nisso chega o Colin de mudança. Sorte que ele tinha parentes em Curitiba e foi morar perto dos parentes.

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